terça-feira, 16 de dezembro de 2014

WhatsApp No Jornalismo

Se fosse uma pessoa, o WhatsApp seria uma criança de apenas cinco anos. Em todo mundo, o aplicativo que permite a troca de mensagens pelo celular sem pagar por SMS já conquistou 600 milhões de usuários. Por observar como os adeptos da tecnologia se relacionam com a ferramenta, o jornalista Fábio Gusmão, editor digital do jornal carioca Extra, decidiu incluir o app no dia a dia da redação. Depois dele, vários outros veículos apostaram na ideia.
Para saber como tem sido o trabalho e quais benefícios o aplicativo trouxe para o jornalismo, a reportagem do Portal Comunique-se conversou, nesta semana, com seis redações - além de Extra, Correio do Povo, Folha de S. Paulo, Rádio Bandeirantes, Bandnews FM e Bradesco Esportes FM. Investimento, mudanças e adaptação da equipe, fluxo de mensagens recebidas e influência da tecnologia na comunicação são alguns pontos abordados nas entrevistas. Os furos conquistados a partir de informações que chegam pelo aplicativo também são contados.
Os relatos têm em comum o baixo investimento, a aproximação entre o público e o veículo de imprensa e mais agilidade no processo jornalístico, além de uma certeza: o trabalho com o WhatsApp, para essas empresas de comunicação, seguirá firme e forte em 2015. Confira, abaixo, o que os executivos falam sobre o assunto.
Extra - Fábio Gusmão, editor digital
Começamos a usar em junho de 2013, mas tive a ideia antes e passei a pesquisar antes de sugerir o aplicativo como ferramenta de trabalho. A ideia surgiu de observação do comportamento das pessoas nas ruas. Percebi que elas usavam de maneira diferente de quem usa o Facebook, por exemplo. Procurei entender melhor e descobri que elas estavam criando grupos e mini redes sociais dentro do aplicativo. Depois disso, pesquisei uma maneira de administrar e gerenciar tudo, pois pelo celular é bem complicado. Passei alguns meses estudando e encontrei emuladores para usar o aplicativo no desktop. Nossa experiência com o WhatsApp aconteceu em paralelo com as manifestações do ano passado e esse evento foi fortalecedor da minha ideia, pois lembrei que quando aconteceu a Primavera Árabe uma mulher foi ferida e o registro dessa agressão só ganhou o mundo por causa do aplicativo, já que o acesso às outras redes sociais estava bloqueado. Procurei projetos no Brasil e no mundo inteiro que pudessem me inspirar, mas não encontrei. Não existia nada parecido com o que eu queria fazer, até então.
“A nossa regra é responder todas as mensagens que chegam. Quando criei o projeto, sabia que não adiantava abrir um canal com o leitor e não conversar com ele.”
Decidi lançar mesmo assim e, em pouco mais que 48 horas, já tínhamos 338 pessoas do país inteiro participando. Hoje, temos cerca de 35 mil, que nos enviaram mais de dois milhões de mensagens desde o lançamento até agora. Os nossos usuários são cadastrados, nós sabemos quem eles são. Com essas informações, passei a testar grupos, fizemos ações durante o Rock in Rio, por exemplo. A nossa redação mudou depois disso. Agora, faço parte do núcleo de digital e, diante deste trabalho e de outros, contratamos cinco pessoas para este núcleo. No total, o digital tem 15 profissionais. Recebemos muito conteúdo exclusivo, furos de reportagem e informações quentes. A nossa regra é responder todas as mensagens que chegam. Quando criei o projeto, sabia que não adiantava abrir um canal com o leitor e não conversar com ele. Quando existe a conversa, eles ficam lisonjeados e passam a confiar mais no nosso trabalho. Esse relacionamento com a fonte encurta caminhos. Nunca imaginei que a experiência fosse ser tão boa. Sabia que seria inovador, mas a reação dos nossos leitores surpreendeu bastante.
“Apostar em novas ideias traz coisas positivas. O nosso trabalho inspirou outras redações e, hoje, dou palestras sobre o modelo de trabalho.”
No começo, toda mudança é complicada. Mas é importante entender que o que mudou foi a forma como você vê a notícia. O jornalismo não mudou. Continuamos fazendo nosso trabalho de apuração. Tudo que recebemos é devidamente checado com as fontes necessárias. O WhatsApp trouxe mais agilidade e isso é importante. Como foi o caso de um tiroteio que aconteceu na tentativa de resgate de presos no Fórum de Bangu. Na ocasião, uma criança morreu. Ficamos sabendo do caso e mandamos o repórter para o local, mas ele gastaria horas para chegar lá. Na redação, selecionei os contatos que moram próximo do lugar onde o caso aconteceu. Enviei mensagem para o celular dessas pessoas avisando sobre o ocorrido, pedindo que elas tivessem atenção ao passar pelo lugar e dizendo que se elas tivessem informações, que enviassem para o nosso número. Recebi milhares de mensagens com fotos, vídeos e textos. Quando a repórter chegou ao local, já tinha bastante conteúdo, então ela cuidou de apurar os bastidores da história. Já recebemos diversas mensagens com boas pautas. Acho fundamental incluir a tecnologia no nosso trabalho. No fim das contas, o que importa são as pessoas. É entender como elas se comportam e estão dispostas a se relacionar com você. Apostar em novas ideias traz coisas positivas. O nosso trabalho inspirou outras redações e, hoje, dou palestras sobre o modelo de trabalho.

BandNews FM – Sheila Magalhães, editora-executiva
A experiência está sendo ótima e enriquecedora. O WhatsApp aumentou consideravelmente a interação do ouvinte com a rádio. Com esse aumento, cresce também o volume de informação de utilidade pública que chega à redação por quem, de fato, está “vivendo” a notícia. A grande maioria das mensagens é composta por informações úteis para outros ouvintes e/ou participação no noticiário. As mensagens que não trazem algo que possa ser usado na redação também são fundamentais por causa da troca e da aproximação entre a rádio e o ouvinte. Diariamente, recebemos dezenas de mensagens com pequenos “furos”. Sabemos diariamente de um problema no Metrô antes de qualquer informação da companhia. Também informamos sobre um acidente muito antes de a CET ou as equipes de resgate chegarem ao local.

“A tecnologia é um enorme facilitador para um trabalho cada vez mais amplo e especialmente ágil. Um trabalho cada vez mais abrangente e mais multiplataforma.”

Além disso, recebemos inúmeras denúncias e informações privilegiadas que pautam a reportagem e a apuração, como, por exemplo, as mortes de Samuel Klein e Adib Jatene foram informadas por ouvintes que trabalham nos hospitais onde eles estavam internados antes da confirmação. A informação sobre o acidente com o avião onde estava o então candidato Eduardo Campos chegou primeiro por esse canal. Claro, nesses momentos, como sempre fazemos, checamos com as fontes oficiais antes de noticiarmos no ar. Mas é um alerta que chega para a redação, que se prepara muito melhor para o momento da confirmação. A tecnologia é um enorme facilitador para um trabalho cada vez mais amplo e especialmente ágil. Um trabalho cada vez mais abrangente e mais multiplataforma. Aproveitando o lado positivo, é essencial não perder de vista o básico do jornalismo bem feito: informação correta, atualizada e passada de maneira compreensível para o seu público.

Correio do Povo - Márcio Gomes, coordenador do site
“Percebemos que o processo de recepção de conteúdo facilitou bastante e isso serve tanto para leitores e assessorias sugerirem pautas quanto para a redação se comunicar quando está na rua.”
Começamos a utilizar o aplicativo no começo deste ano para facilitar o acesso ao nosso leitor e para viabilizar o recebimento de conteúdo de uma forma mais prática. Monitoramos constantemente o aplicativo para avaliar o conteúdo recebido. Participamos de diversos grupos, que nos enviam dezenas de mensagens por dia, sendo que recebemos mais fotos, seguidos de texto e vídeo. Áudios são bem raros. A experiência para nós tem sido ótima. Percebemos que o processo de recepção de conteúdo facilitou bastante e isso serve tanto para leitores e assessorias sugerirem pautas quanto para a redação se comunicar quando está na rua. Recebemos boas sugestões, mas também chegam mensagens com conteúdos que não são jornalísticos, como corrente e piadas. Geralmente, os usuários enviam informações de serviços ou reclamam de algum problema específico. Nestes casos, checamos para ver se o problema realmente existe, falamos com quem nos enviou a mensagem e depois vamos atrás dos órgãos competentes para ver qual resposta pode ser dada. A tecnologia facilita o acesso a informações e uma maior interação com o internauta. Requer uma curva de aprendizado, mas depois que o processo de adaptação é concluído, os benefícios para a redação são grandes.
Bradesco Esportes FM – Murilo Borges, coordenador de redação
Sentimos a necessidade a partir do momento em que o WhatsApp virou a ferramenta mais utilizada para a conversação entre as pessoas. Se o povo está usando, por que não as redações? Não há meio mais rápido e fácil para a interação do que o WhatsApp e a aceitação dos ouvintes é a melhor possível. Recebemos as mensagens por um computador no estúdio e sempre um dos apresentadores tem o acesso fácil e rápido. Acredito que recebemos, aproximadamente, 10 mil mensagens por dia, a maioria em texto. Tem sido ótimo contar com esse calor imediato do público. O curioso é ver os nossos próprios ouvintes criando grupos entre eles e nos colocando no meio para debates acalorados sobre times, jogadores e competições.

“Quem não se habilita e aperfeiçoa fica para trás, uma vez que o nosso trabalho depende demais da tecnologia.”
Para nós, a ferramenta serve mais para debates. Levantamos assuntos que os ouvintes participam conosco em tempo real, o que é ótimo. Há sugestões de duelos históricos que sempre recebemos também. A tecnologia influencia diretamente no nosso trabalho, pois mudou o jeito de funcionamento das redações. Quem não se habilita e aperfeiçoa fica para trás, uma vez que o nosso trabalho depende demais da tecnologia. Sem falar nas redes sociais que são um termômetro e um aprendizado diário para nós. Sinto, ainda, que o meio jornalístico não entendeu e se atrapalha na utilização das redes sociais. Este é um processo muito novo, a internet está vigente nas redações há uns 20 anos apenas, as redes sociais em peso faz uns cinco, portanto, temos muito que aprender como melhor usar essa tecnologia que veio para ficar e revolucionar os meios de comunicação.
Rádio Bandeirantes - Daniel Batista, chefe de produção
Enxergamos na ferramenta a oportunidade de intensificar a interação com o ouvinte por causa do número de usuários, da praticidade e da possibilidade de receber áudios direto no estúdio. A adaptação da redação foi tranquila porque todos são usuários da ferramenta também. Os âncoras estimulam o ouvinte a mandar mensagens ou áudios por WhatsApp e são responsáveis pela seleção do conteúdo recebido para exibição. Dependendo do assunto, recebemos fluxo grande de mensagem, sendo mais textos e áudios. Recebemos muitos flagrantes de assuntos da cidade. A agilidade da ferramenta permite ao ouvinte nos avisar sobre qualquer coisa diferente que esteja acontecendo. O caso do acidente com o candidato Eduardo Campos em Santos é um bom exemplo. Naquele dia, chegaram centenas de mensagens de ouvintes, algumas com fotos, dizendo que tinha acontecido algo muito grave.

“A agilidade da ferramenta permite ao ouvinte nos avisar sobre qualquer coisa diferente que esteja acontecendo.”
É claro que, para um veículo como a Rádios Bandeirantes, nunca o cuidado com a checagem e com a confirmação de qualquer informação será desprezado. O aplicativo ampliou a possibilidade de o ouvinte participar diretamente da programação. Esse momento mostra que os veículos de comunicação precisam estar sempre atentos ao surgimento de ferramentas como essa e em busca da melhor forma de aproveitá-las. Inevitavelmente, essas mudanças impactam diretamente a rotina do jornalista, como acontece com a nossa vida de uma forma geral. No caso da nossa profissão, a relação com o ouvinte muda, existe uma influência decisiva na própria transmissão, na maneira de produzir a notícia e, sobretudo, no fluxo das informações.
Folha de S. Paulo - Roberto Prata, secretário de redação do meio digital
“Acho que a tecnologia mais e mais se incorpora ao jornalismo, tanto como um caminho para apuração de conteúdo.”
Lançamos nosso canal em março deste ano, observando o rápido aumento do uso do aplicativo. A ferramenta está sob administração da equipe de mídias sociais da Folha. Recebemos mais textos e fotos. Ainda vamos melhorar as técnicas, pois pretendemos implementar novos recursos de administração do canal. Acho que a tecnologia mais e mais se incorpora ao jornalismo, tanto como um caminho para apuração de conteúdo (WhatsApp na comunicação com o leitor, Waze e Moovit no levantamento de dados de trânsito e transporte público) quanto na distribuição dele. Com o WhatsApp, conseguimos aproveitar de 5% a 10% das informações que recebemos por mensagem. Uma história recente e legal foi a de um parto que ocorreu em um ônibus na zona sul de São Paulo. Uma garota que participou do parto nos enviou uma foto do recém-nascido e tinha os contatos da mãe.
Portal Comunique-se

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